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segunda-feira, 29 de junho de 2015

Engenhocas e palavras



Luciano Toriello
Escrito em uma Olivetti Lettera 32 (recuperada das cinzas)


Quando eu era garoto, minha brincadeira favorita era desmontar os meus carrinhos para trocar as rodas ou promover algumas transformações mais radicais, como abrir janelas, retirar o teto ou criar plataformas de transporte para os soldadinhos do Forte Apache.

Dizem que todas as crianças são artistas, mas a minha arte foi mal compreendida. A criatividade era punida como uma força destruidora.


Logo descobri que desmontar significava não ganhar outro, por isso passei a ficar obcecado pelo conserto. Com um tubo de cola ou uma fita adesiva, tentava remendar tudo.

Não entendo como essa disposição para entender como as coisas funcionavam não me levou para a engenharia ou a mecânica. Acabei me encantando pelas letras e as infinitas possibilidades de criação de significados a partir de um conjunto limitado de caracteres.


Hoje, consigo perceber que a minha paixão por máquinas de escrever se deve por ser uma síntese de tudo o que sempre amei, engenhocas e palavras.

São fascinantes por toda a complexidade mecânica e maravilhosas por todos os universos da imaginação que podem trazer para a realidade concreta de um tipo marcado em folhas de papel.

Outro dia, encontrei uma máquina a ponto de virar sucata. Só resolvi trazê-la para casa por causa do estojo e da possibilidade de retirar algumas peças. Estava quebrada, emperrada, enferrujada e tomada por uma grossa camada de poeira.


Tive pena e resolvi que devia trazê-la de volta à vida. Perdi muitas horas dos finais de semana no projeto, foi tão difícil que não foram poucas as vezes que pensei em desistir.

Hoje, o desafio chegou ao fim. A Olivetti Lettera 32 ficou tão boa que mereceu ganhar até um colo, como a bruxa Lispector costumava fazer, ao gestar as suas obras.


Escrito em uma Olivetti Lettera 32 - Das máquinas que eu tenho, não é a mais bonita, a mais conservada ou a melhor. Muito pelo contrário. Mas renasceu das cinzas. Se não recuperou o brilho, resgatou a própria dignidade e isso, para mim, vale muito.

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