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quinta-feira, 30 de junho de 2016

Elas não têm valor


Sou do tempo que máquinas de escrever custavam tanto, que eram para poucos.

Mais tarde, começaram a entrar nas casas menos nobres, embaladas como um precioso presente para os filhos e, escondido na gaveta, um gordo carnê a ser quitado, como um investimento para o futuro.

O computador, que já havia ocupado o espaço das máquinas nos escritórios, não demorou a chegar até as casas, principalmente depois da Internet, assumindo mais do que a mesa de estudos, para empurrar as máquinas para um canto qualquer, até virarem estorvos, a serem despejados para a reciclagem.

Pesadas e inúteis, muitas foram para o ferro velho, trocadas por centavos, que mal pagavam seu peso em metal.

Hoje, com a onda retrô, a máquina de escrever virou um dos objetos de desejo dos hipsters, que acham o máximo sentar a mesa de um bar e batucar bobagens, com dois ou três dedos, sem qualquer domínio da datilografia.

E as máquinas passaram a ter algum valor. Muitas das que tenho, comprei por um preço que mal dava para encomendar uma pizza e, hoje, nem economizando na pizzaria, na lanchonete e na churrascaria, por alguns meses.

A moda é fugaz. Pode ser que alguns desses jovens se apaixonem por suas máquinas, a ponto de carrega-las pelos bares por toda uma vida, mas são grandes as chances de a maioria deles se desinteressarem, empurrando essa tendência de preço para o chão.

Daí, alguém me diz:

- Aproveite a maré alta! Venda suas máquinas e faça algum dinheiro, enquanto podem valer alguma coisa...

Mal penso nisso. Gosto de escolher cada uma delas conforme o meu desejo, como um sheik, com seu harém.

Escrito com uma Remington 11

sábado, 25 de junho de 2016

Saiu do Cartola



Encontros, novos amores e decepções transformam as nossas vidas o tempo inteiro, e se traduzem em músicas que ainda fazem girar os antigos bolachões e nos tocam pelos ouvidos.

O pé na bunda dói muito, por isso não faltam temas sobre ele.

Alguns preferem disfarçar, como Leandro e Leonardo com "eu sei guardar a minha dor, apesar de tanto amor, vai ser melhor assim".

Outros preferem dizer que deram a volta por cima, como Gloria Gaynor, em "I will survive". Nem machão dos pampas resiste ao balanço desse clássico do pop.

E o desejo por vingança ganha uma tremenda força com a voz de Beth Carvalho, quando canta "Vou festejar o teu sofrer, o teu penar. Você pagou com traição a quem sempre lhe deu a mão".

Mas se é difícil levar o pé na bunda, dar um bom pé na bunda é quase impossível, pelo menos na música.

Cartola fez isso e, não por acaso, reconheceu que, com Acontece, seria sempre lembrado:

"Esquece o nosso amor, vê se esquece.
Porque tudo no mundo acontece.
E acontece que eu já não sei mais amar.
Vai chorar, vai sofrer, e você não merece,
Mas isso acontece.
Acontece que o meu coração ficou frio.
E o nosso ninho de amor está vazio.
Se eu ainda pudesse fingir que te amo,
Ah, se eu pudesse.
Mas não quero, não devo fazê-lo,
Isso não acontece".

Se todos os pés na bunda fossem dados com essa genialidade e delicadeza, seria a falência do brega, afinal, depois disso, sobreviveria a dor pela rejeição?

Mas como Cartola é único, não falta gente chorando pelos cantos, sem perceber que é melhor sair por aí e "assistir ao sol nascer, ver as águas dos rios correr, ouvir os pássaros cantar" e, enfim, levar a vida, a sorrir.

Luciano Toriello - 25/06/2016 - Escrito com uma Remington 11