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segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

O segredo dos seus olhos


As máquinas de escrever são uma espécie de componente obrigatório nos cenários de filmes que contam histórias sobre o século XX, não podia ser diferente, já que as máquinas eram essenciais na vida das pessoas.

Mas geralmente elas estão lá apenas como um adorno visual que retrata uma época, sem qualquer relevância no enredo, a não ser, é claro, que seja para atender a um roteiro raso de filme B, em que o assassino utilize uma máquina para deixar bilhetes no corpo das suas vítimas, daí, basta encontrar a máquina para descobrir o criminoso.



No belíssimo filme argentino "O segredo dos seus olhos", uma Lexikon 80 aparece, não como um elemento chave para o desenvolvimento da trama, mas com uma função bastante importante.

Quando assisti às primeiras cenas, fiquei irritado com a forma desastrosa com que a bela Olivetti estava sendo tratada, só porque apresentava um defeito com a impressão da letra "a".

 Depois, entendi que essa ausência do tipo era essencial para que o personagem pudesse revelar seus sentimentos, em mais um detalhe brilhante da história.



Recomendo fortemente que todos assistam ao filme, que está disponível em vários lugares, como o Netflix e, imagino, nas locadoras.

Mas, para ilustrar, preparei uma pequena edição com os recortes da Lexikon 80. Está no YouTube.



Luciano Toriello - 28.12.2015
Escrito com uma Lexikon 80, idêntica à do filme, em perfeitas condições, como aquela também deve estar, porque as Lexikon 80 são eternas.




terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Caçador de tesouros


Um amigo passou a me apelidar de Indiana, numa referência direta ao personagem dos cinemas que vive suas aventuras em busca de objetos históricos. Um exagero, sem tamanho e sem merecimento, mas é verdade que em busca de uma máquina de escrever sou capaz de ir bem longe.

Até o encontro, alguns cuidados são necessários, como ter certeza que as fotos são reais, o vendedor exista nas redes sociais e o endereço seja válido.

Da mesma forma, entendo que o anunciante tenha necessidade de alguma segurança para fornecer suas informações, afinal, ninguém quer ficar exposto a um assalto ou qualquer outra barbaridade.

Mas nessas andanças sempre tive a sorte de encontrar ótimas pessoas. Tanto que chego a acreditar que se o mundo é dividido entre bons e maus, certamente os bons têm ou tiveram uma máquina de escrever. Os maus, nem sempre.

Melhor mesmo é quando uma máquina vem acompanhada da história de quem a possuiu. Daí a conversa estica, porque tenho um interesse especial por tudo que cerca o objeto, principalmente por quem o utilizou.

Por meio desses relatos, já conheci alguns advogados, médicos, contadores e até escritores com livros publicados. Todos eles tiveram suas máquinas como bens valiosos e as deixaram como parte da herança.

Na última vez, ouvi um filho de 65 anos dizer que eu estava levando, junto com a máquina, um pouco da alma do seu pai, porque tinha a lembrança viva dele escrevendo com ela.

Insisti que talvez fosse melhor manter a máquina guardada para algum neto ou neta, mas a resposta foi enfática:

- Não, de jeito nenhum! Ninguém mais se interessa por isso. Nem tenho espaço na minha casa. Pode levar que, com você, a máquina vai ser melhor aproveitada.

Quando consigo uma máquina assim, fico feliz por saber que foi bem cuidada e conservada por tantos anos, mas sei que tenho uma responsabilidade maior, porque trago junto com ela uma parte da memória que dificilmente será resgatada pela família.

Estou longe de ser o aventureiro de chapéu e chicote, mas tenho a consciência que máquinas de escrever podem ser tesouros, com valor bem maior que o preço pago por elas.

Luciano Toriello - 22.12.2015
Escrito com uma Remington 11 (Querida Ogra)


sábado, 19 de dezembro de 2015

A melhor de todos os tempos


Em 1988, tive a oportunidade de trabalhar na Folha da Manhã, empresa que publica o jornal Folha de S. Paulo e, na época, também era responsável pela Folha da Tarde e pelo saudoso Notícias Populares.

A redação da Folha era a mais moderna, com terminais eletrônicos que acendiam as telas de fósforo verde, em que os jornalistas produziam as matérias e encaminhavam, após a edição, direto para o setor de fotocomposição, onde eu trabalhava. Lá, os artistas do paste-up montavam a página como seria impressa, colando textos e fotos, munidos de régua, estilete e canetas de nanquim.

Mas o lugar que mais me atraía era a redação do extinto A Gazeta Esportiva, que tinha o pessoal contratado pela Fundação Cásper Líbero, mas utilizava a mesma estrutura gráfica do Grupo Folha, na Alameda Barão de Limeira.

Os jornalistas da GE eram craques do texto, capazes de reproduzir a emoção de uma partida de futebol com suas máquinas de escrever, ainda que estivessem assistindo ao jogo por uma pequena TV de tubo, com uma imagem ruim.

Normalmente, o jornal de esportes fechava cedo, por volta das 22h30, mas eventualmente era preciso esperar o resultado de alguma partida importante para que a cidade pudesse ler no dia seguinte.

Tudo ficava pronto, esperando apenas o último texto, com espaço reservado. Daí, eu cumpria a ordem de fazer sombra ao jornalista responsável pela matéria.

 Após o apito final, ele concluía as anotações, virava o tampo da mesa para fazer surgir a sua Lexikon 80, que ficava presa pelos pés, e metralhava o teclado, em uma velocidade impressionante para os meus olhos.

Depois do último ponto, arrancava o papel da máquina e me entregava, sem a necessidade de revisar o resultado.

- Pode levar.

Era a senha para eu começar a minha corrida alucinante, para que o texto fosse digitado, revelado e entregue para ser colado na página e seguir pelo elevador para a produção do fotolito. Em poucos minutos, estava na rotativa.

Favorita dos bons jornalistas, a Olivetti fabricada nos anos 1950 dava seus últimos suspiros, sem ter sido substituída pelos modelos mais novos, porque era a melhor.

Não demorou até que os técnicos de informática desembalassem os equipamentos de edição eletrônica, que apareceram de um dia para o outro. Em seguida, todo o pessoal da fotocomposição fez fila para sacar o FGTS.

Prefiro não imaginar o final trágico daquelas Lexikon 80, mas estou certo que os antigos profissionais da imprensa guardam uma saudade da melhor máquina de escrever de todos os tempos.




Luciano Toriello - 19/12/2015
Escrito com uma Olivetti Lexikon 80

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Matemática turca


Matemática turca

No empório do turquinho podia se encontrar de tudo: enlatados, queijos, biscoitos, macarrão, carne seca, arroz e feijão...

Tudo bem pesado, com a simpatia que o seu Valdemar dispensava a todos, principalmente para as crianças que grudavam o nariz na vitrine de doces, lotada de marias moles, suspiros coloridos, paçocas, pés de moleque e corações de abóbora e batata doce.

Em cima da vitrine, ficava um lindo baleiro de vidro, com dois andares, que giravam e encantavam com a mistura de cores e sabores.

O seu Valdemar não era turco e nem o empório tinha o nome de Turquinho, pelo menos não de forma oficial. A placa indicava apenas "Secos e Molhados", com letras apagadas pelo tempo.



O dono anterior tinha sido um turco baixinho, que vendeu o estabelecimento e, depois, fez fortuna com uma rede de supermercados. Nem cheguei a conhecê-lo, mas para a minha mãe, ele nunca tinha ido embora.

- Luciano, dá uma corrida até o turquinho e pede uma lata de leite condensado! Mas volte rápido senão a minha receita desanda!

Minha mãe estava sempre envolvida com receitas que precisavam de ingredientes urgentes.

- Luciano, corre até o turquinho e me traga uma caixa de ovos, corre até o turquinho e me traga queijo ralado, me traga farinha de trigo, me traga amendoim, me traga..., me traga...

E saía eu correndo para atender aos pedidos, enquanto minhas bolinhas de gude e minhas pipas em construção ficavam me esperando.

Quase sempre chegava em casa e ouvia outro pedido!

- Volta lá e pede coco ralado...

Quando chegava de volta:

- Só tinha dessa marca? Quanto você pagou? Que absurdo!

A correria não me incomodava, porque sabia que iriam sair delícias daquelas panelas, como balas de coco e bolos de mandioca. Invariavelmente, era premiado com a raspa do tacho.

Do outro lado, o seu Valdemar me recebia sempre com um sorriso e ainda ensinava muitas coisas, principalmente matemática, me forçando a calcular o troco de cabeça, sem a ajuda de lápis ou calculadora.




- Custou $2,25 e você me trouxe $3, então, quanto precisa levar de troco?

- Não precisa me dar troco, seu Valdemar, dessa vez minha mãe deixou eu pegar o resto em bala!

- Tudo isso? A bala custa $0,05, então, quantas balas você pode pegar?

- Sei lá, seu Valdemar, se me der uma mão cheia de balas de amendoim, eu já fico feliz!

- Nada disso! Só vou te entregar as balas se fizer as contas e me disser quantas pode levar!

Parei por um tempo para contar meus dedos, mais de uma vez para ter certeza do resultado e responder que tinha direito a 15 balas.

- Com o dedo não vale! Assim você demora muito! Quando aprender a contar direito eu te dou uma bala a mais.

Com a visão do lucro de uma bala, passei a ficar mais esperto. Respondia antes que ele me perguntasse.

- Tá aprendendo, né? Desse jeito, quando ficar maior, vai trabalhar comigo!

Hoje, quando vou à padaria, vejo a menina do caixa colocar as contas na calculadora, me obrigando a esperar por um resultado que eu já conheço.

Nem todo mundo poderia trabalhar com o seu Valdemar.


Luciano Toriello - 03/12/2015
Escrito com uma Erika modell 10




quarta-feira, 18 de novembro de 2015

É tudo verdade...


Brutalidade policial é vencida por datilógrafo


Um turista desavisado, que passa por uma das ruas de Lucknow, na Índia, e vê Krishna Kumar, de 65 anos, cumprindo mais um dia da sua jornada de trabalho, com seu corpo franzino, pode facilmente confundi-lo com Mahatma Gandhi.

Mas, ao invés de tecidos e um tear, o homem produz, com sua máquina de escrever, cartas de saudades e de amor para as pessoas que passam pela agência postal da localidade.

Com o trabalho de 10 horas, que lhe garante o rendimento de 1 dólar ao dia, o ancião consegue prosseguir com sua delicada existência, como faz há 35 anos.

Até que, na manhã do dia 19 de setembro, sua rotina foi interrompida pelo subinspetor Pradeep Kumar, decidido a desocupar o espaço público.



Diante da insensatez e sem saber ao certo que reproduzia os ensinamentos do mestre pacifista, o datilógrafo preferiu resistir sem o uso da violência, mesmo depois de ver sua ferramenta de trabalho em pedaços, destroçada pela ira policial.


As imagens, registradas por um fotojornalista local, repercutiram nas redes sociais e, no dia seguinte, o superintendente da polícia recebeu a ordem de entregar uma nova máquina ao velho escriba.



O policial agressor foi afastado das suas funções.

Luciano Toriello - 18.11.2015
Escrito com uma Adler Junior-E

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Olivetti Studio 44




 Olivetti Studio 44

Criada em 1952, pelo arquiteto e designer Marcello Nizzoli, a Studio 44 é uma preciosidade mecânica que reúne, além de formas perfeitas, uma qualidade de construção que jamais se repetiu em outros modelos da Olivetti, com peças em metais nobres e cromados que dificilmente descascam, perdem o brilho ou oxidam, mesmo com o tempo.

É uma irmã menor da Lexikon 80, por isso compartilha das características que dão, a ambas, uma escrita confortável e precisa.

Tennessee Williams, em férias na Itália,
descobriu a Studio 44 
Não teve variações de cor, além do clássico verde menta, e do marrom claro (ocre, no meu antigo estojo de lápis de cor), que é mais difícil de ser encontrado entre as produzidas no Brasil.

Na parte frontal, destaca-se uma sequência de frisos verticais, emoldurados por um arco que envolve o teclado, diferenciando-a do estilo arredondado que foi comum às máquinas dos anos 1950.

Vinha acompanhada de um luxuoso estojo de madeira, coberto com couro em bordô e revestido internamente por um veludo da mesma cor.

Frisos emoldurados por arco marcam o visual
da Studio 44, diferente do padrão da época
Tem uma régua de aço inox que fica na base do carro, com indicação das colunas, que aparecem em uma janela abaixo do vibrador (peça que movimenta verticalmente a fita). Essa indicação facilita a vida do datilógrafo que se preocupa em escrever com a margem direita justificada.

Se fosse fabricada hoje, com os mesmos padrões de qualidade, poderia ser comparada a uma Ferrari, enquanto a Studio 45, sua sucessora, seria um Fiat básico.

Apesar disso, pode ser encontrada com certa facilidade, em boas condições, por um preço razoável.


Régua de colunas, em inox, aparece em janela abaixo
vibrador, para indicar a posição ao datilógrafo
A minha Studio 44

Gosto tanto desse modelo que tenho duas iguais. Teria outras.
A primeira, chegou com aparência de abandono, mas se revelou perfeita com uma limpeza básica. O problema estava no estojo, em condições ruins. Por isso, procurei outra que tivesse um estojo melhor, mesmo que a máquina estivesse rumando para o ferro velho.

Não demorou a aparecer a candidata perfeita, ainda com a capa original.

Essa máquina tinha a pintura feia, com manchas, e a mecânica estava tomada por sujeira, por isso, mal escrevia.
Transformação da pintura,
com limpeza e polimento


Tive a ideia de desmontar para uma limpeza e cheguei a encontrar, entre os mecanismos, um resto de lápis borracha.

Mas, conforme avançava com o serviço, percebi que estava nova, sem nunca ter sido consertada em toda a sua vida útil.

Até mesmo a pintura voltou às condições originais com um simples polimento, sem qualquer risco ou descascado, nem mesmo nos ombros do teclado.

Ficou ainda melhor que a minha primeira, por
isso mereceu continuar com o seu estojo e passou a ocupar um lugar de honra na minha coleção.

Luciano Toriello - 31.10.2015
Escrito com uma Olivetti Studio 44

Estojo em madeira forrado em bordô. Pesado, mas suficiente para proteger e preservar a máquina para a eternidade





Olivetti Studio 42



Olivetti Studio 42

Em 1935, três anos após o lançamento da MP1, primeira portátil da marca, a Olivetti fez surgir seu primeiromodelo de tamanho intermediário, a Studio 42, também conhecida como M2, projetada por Ottavio Luzzati.


Uma das máquinas mais bonitas que foram produzidas pela indústria de Ivrea, disponível em diversas cores, além do preto clássico, como o vermelho, verde, cinza, marrom, azul claro e bege.

O teclado tem o estilo antigo, com os vidros emoldurados por anéis cromados. O brilho aparece também no trilho dos tipos, que saltam aos olhos a cada batida de tecla. A tampa superior emoldura o mecanismo, cobrindo apenas as bobinas de fita. A marca 'Olivetti' se destaca no carro, em letras grandes.

Diferente das demais Studio, a mudança de maiúsculas e minúsculas não acontece com o movimento vertical do berço de tipos, mas com a elevação do carro, da mesma forma que as portáteis que seguem o padrão da Hermes Baby.

O braço da alavanca de retorno é curto. Primeiro acontece o retorno e, depois, com a pressão para a direita, o cilindro rola para a linha seguinte.

A reversão do transporte da fita não é automático. Quando a fita termina, basta acionar um botão, na lateral esquerda, para rebobinar no sentido contrário.

O estojo rígido de madeira forrada com couro ajuda a proteger a máquina dos efeitos do tempo. Fechado, com a alça em couro, lembra uma maleta antiga de viagem. Aberto, a tampa se desprende da base, que ajuda a deixar a máquina firme sobre a mesa.

A minha Studio 42

A Studio 42 foi importada pela Teconogeral S.A., de São Paulo, quando a fabricante italiana ainda não havia se estabelecido no Brasil, e enfrentava concorrentes americanos com maior popularidade, como a Remington e a Royal.

Considerando ainda que são máquinas antigas, com quase 80 anos, é difícil encontrar uma em ótimas condições de funcionamento, por isso, era um desejo antigo, que só pude concretizar com a ajuda de um amigo colecionador, que me cedeu um dos seus exemplares, por um preço camarada.

Segundo ele, a máquina chegou das mãos do dono original, apenas com algumas marcas de uso, sem nunca ter sido restaurada. Os cromados estão, em sua maioria, com o brilho intacto, e o funcionamento está perfeito, escrevendo bem sem qualquer esforço.

Com ela, pude não só ter o prazer de possuir um exemplar de cada Studio fabricada pela Olivetti, mas também me fez admirar, ainda mais, a saga iniciada pelo engenheiro Camilo que, em 1908, resolveu criar o que, para a maioria, parecia impossível.

Luciano Toriello - 01.11.2015
Escrito com uma Olivetti Studio 42 


Olivetti Studio 46


 A Studio 46 marcou o fim da linha Studio, com o modelo sendo fabricado de 1976 até meados da década de 1990.

Apesar de a mecânica ser muito parecida com a sua antecessora, diferencia-se fundamentalmente pelo tamanho maior, capaz de escrever em uma folha A4 colocada na posição horizontal, e com um teclado confortável, com teclas largas
Largura do carro aceita uma folha A4 na posição horizontal

Tem uma carenagem em alumínio fundido, do mesmo tipo que cobre sua irmã maior, a profissional Linea 98, que também empresta o botão largo, colocado no lado direito da barra de espaço, que permite avançar gradualmente com o carro, de forma mais rápida, sendo útil para o preenchimento de informações e planilhas.

Teclado é confortável, mas tem uma tendência a amarelar

Foi oferecida em dois padrões de cores, azul e branco com base marrom, ambos com teclado branco, que tende a ficar amarelado com o tempo, talvez por não possuir uma bolsa ou capa protetora resistente.

Em outros países, era possível comprar o mesmo modelo com a carenagem em plástico, com preço menor.

Ainda que apareça em alguns programas de TV e comerciais, procure por "soluções digitais" no canal do Banco do Brasil no YouTube, não é considerada uma máquina rara e nem está entre os modelos escolhidos pelos museus de arte moderna para representar seu projetista, mas é uma ótima opção para quem pretende ter uma ótima máquina de escrever para o dia a dia.
Alavanca de retorno em plástico indica a preocupação
com a redução de custos, com menor qualidade
A minha Studio 46

Branca com base marrom, minha Studio 46 me chegou totalmente coberta de poeira, com o funcionamento comprometido, já que as teclas ficavam impedidas de executar o movimento dos tipos. A sujeira também impedia o carro de movimentar-se corretamente.

Mais de 100 colunas em tamanho normal de fonte,
indica que a máquina é capaz de escrever tabelas
em uma folha A4 colocada na posição horizontal
Isso porque pertencia a um empresário que a mantinha como objeto de enfeite da sua sala de estar, em uma casa de alto padrão em um condomínio luxuoso. Ajudava a formar, junto com algumas câmeras fotográficas antigas e uma caixa registradora em estilo Art Déco, uma coleção de gosto questionável, porque não havia qualquer preocupação histórica e, muito menos, coerência, além da obsolescência tecnológica.

Segundo ele, a máquina havia pertencido a uma tia distante, que trabalhava como tradutora. Acabou abandonada, não a tia, mas a máquina, depois que um computador assumiu o seu lugar.

Para mim, foi a oportunidade para aprender a desmontar e limpar uma máquina de escrever, depois de uma longa pesquisa em sites estrangeiros, a fim de encontrar dicas para executar o serviço e não estragá-la.

Com o uso, passei a gostar ainda mais da linha Studio, Tanto que ainda tenho vontade de ter uma azul, para formar um par, mas devidamente cobertas, longe da poeira.

Luciano Toriello - 31.10.2015
Escrito com uma Olivetti Studio 46

Veja a Studio 46 na peça publicitária do Banco do Brasil










segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Olivetti Studio 45


Duke Ellington ajuda a promover a Studio 45
A Studio 45 traduz a essência do design de sua época, com linhas harmoniosas, carenagem em plástico ABS com uma cor marcante, verde petróleo, que emoldura um teclado que contrasta o preto brilhante com letras brancas.

Uma combinação cuidadosa que está diretamente relacionada à filosofia da empresa, que buscava conquistar o consumidor não apenas pela qualidade mecânica, como era comum a todos os demais fabricantes, mas principalmente pelo visual dos seus produtos, agregando o estilo como um importante valor.

Para promover o modelo, a Olivetti convocou estrelas para conferir sofisticação à máquina, como a modelo Twiggy e o músico de jazz Duke Ellington, em peças publicitárias que recheavam as principais revistas.

O projeto da Studio 45 foi criado em 1967, assinado por Ettore Sottsass, que também criou a Olivetti Valentine, portátil que se tornou outro ícone, preservada no MoMA e perseguida por colecionadores.

O historiador Eric Hobsbawm retratado com sua Olivetti Studio 45
A minha Studio 45

A modelo Twiggy destaca a cor da máquina
Foi a minha primeira Olivetti, encontrada em uma oferta de classificados por um preço baixo, por isso, apesar de já possuir uma Remington 25, resolvi arriscar a nova compra e acabei impressionado por suas qualidades, despertando o meu interesse para a história da marca e pelos demais modelos.

Como estava muito usada e com visual ruim, procurei outra Studio 45 em perfeitas condições, para ter o prazer de possuir uma que estivesse mais próxima de nova. Não foi uma tarefa fácil.

O antigo dono, um empresário do ramo gráfico, recebeu a Studio como presente dos pais, em 1971, mantendo-a com pouco uso, talvez para preservar o mimo, comprado com sacrifício. Com o tempo, acabou esquecida por ele, mas continuou guardada pela mãe.

Preservada com manual e acessórios


Após a perda dos pais, na desocupação do apartamento, encontrou a Olivetti preservada, com manual e acessórios originais. Acabou anunciando, sem o apego pela história pessoal.

Régua de colunas indica o tamanho menor da fonte
Outro diferencial dessa máquina está no tamanho da fonte, menor que o padrão. Essa diferença pode ser notada pela régua de colunas, enquanto uma máquina com fonte comum atinge pouco mais de 80 colunas na largura do cilindro, suficiente para uma folha A4 na posição vertical, minha Studio 45 tem pouco mais de 100 colunas para a mesma medida de cilindro. Isso faz dela ainda mais rara, já que poucas foram as produzidas com medida especial.

A Olivetti lançou outras opções de cores, enquanto a Studio 45 esteve em produção, como o bege com o teclado branco. Também já vi bege com teclado preto. As primeiras vieram com estojo rígido, depois substituído por uma bolsa em couro preto. As últimas, foram protegidas em uma bolsa de plástico, estampada com um padrão de logotipos.

Luciano Toriello - 31.10.2015
Escrito com uma Olivetti Studio 45






A linha Studio da Olivetti



A Olivetti produziu, até a década de 1930, apenas máquinas de mesa, enquanto a concorrência já mantinha as linhas de montagem ocupadas com máquinas menores, voltadas para o uso pessoal.

Fabricada em Ivrea, Itália, importada por Tecnogeral S.A.
Até que, em 1932, foi lançada a Olivetti MP1 (Modello Portatile 1), mais conhecida como Ico e, em 1935, apresentou a Olivetti Studio 42, com tamanho intermediário, ou seja, menor que o modelo de mesa e maior que o portátil, para atender aos escritores que precisavam de leveza e praticidade, mas não queriam abrir mão do conforto de escrever em uma máquina grande.

Em toda a existência da empresa, a Olivetti criou apenas 4 modelos de Olivetti Studio, primeiro a 42, seguida da 44, 45 e, finalmente, a 46, permanecendo um mistério o fato de nunca ter existido um modelo Studio 43.

Também é curioso o fato de a Studio 42 ser a menor delas, derivada da portátil MP1, enquanto as demais são maiores, criadas a partir dos modelos de mesa, como a Studio 44, que segue os padrões mecânicos da Lexikon 80, a Studio 45, próxima da Linea 88, e a Studio 46, parecida com a Linea 98, que foi a última máquina manual da marca italiana, voltada para o uso profissional.


A MP1 permaneceu única na linha de portáteis, sucedida pelas máquinas da linha Lettera, primeiro a cultuada Lettera 22, na década de 1950, que deu lugar à Lettera 32, a partir de 1963. Outras versões de portáteis Lettera foram lançadas posteriormente, sem o mesmo reconhecimento dos primeiros modelos.

Nos próximos dias, vou apresentar a minha coleção de Olivetti Studio, seguindo a ordem em que elas foram adquiridas. Após uma pequena descrição das características de cada modelo, vou narrar como as máquinas chegaram em minhas mãos.

Luciano Toriello - 31.10.2015
Escrito com uma Olivetti Lexikon 80

terça-feira, 20 de outubro de 2015

O incômodo de um país de commodities


Assim como o avião, cuja invenção costumamos atribuir a Santos Dumont, de forma simplista, porque na verdade o invento foi resultado de uma série de contribuições, inclusive dos irmãos Wright, até chegar a um modelo ideal de desenvolvimento, a máquina de escrever também pode ser considerada uma criação coletiva da humanidade, com esboços desde o surgimento da prensa de Gutenberg, mas com o reconhecimento da sua funcionalidade apenas em 1867, com a patente do americano Christopher Latham Sholes.

Cabe aos brasileiros defenderem a participação do Padre Francisco João Azevedo como um dos pais desse invento, já que o religioso só não conseguiu o crédito merecido porque jamais teve a oportunidade de apresentar sua criação ao mundo, impedido de embarcar para a Exposição de Londres, em 1862, por dificuldades de acomodação, depois de ter conquistado uma medalha de ouro, em 1861, na Exposição do Rio de Janeiro, com a presença do Imperador Pedro II.

Segundo a lenda, Padre Azevedo foi enganado e teve seus desenhos roubados por um estrangeiro, fato que o desestimulou a continuar com o seu projeto, concretizado como uma máquina de taquigrafia.

A suspeita é de que suas ideias tenham servido para que Sholes aperfeiçoasse seus protótipos, principalmente no desafio que enfrentava para o transporte de papel, coincidentemente resolvido com um sistema de pedal, próximo da solução criada por Azevedo, de acordo com as descrições da máquina.

Hoje, essa discussão tem importância menor, porque o reconhecimento, a essa altura, serve apenas como informação histórica, sem qualquer resultado prático. Mas importa muito a forma como Azevedo e o seu invento foram tratados pelas autoridades da época, que preferiram levar para Londres as amostras locais dos produtos agropecuários, ao invés de apresentar nosso potencial criativo.

Da mesma forma, Dumont também não recebeu qualquer incentivo público, conquistou Paris com seus balões e aviões revolucionários tendo, como única fonte de financiamento, as colheitas de café que saíam da fazenda do seu pai.

Passaram-se pouco mais de 150 anos desde que a máquina de Azevedo foi deixada para trás. De lá para cá, permanecemos exportadores de commodities e importadores de tecnologia, fadados ao colonialismo, sem qualquer possibilidade de mudança.

Luciano Toriello - 20/10/2015
Escrito com uma Remington Letter-Riter de 1950



domingo, 18 de outubro de 2015

Como cuidar bem de uma máquina de escrever - 10



Nunca deixe sua máquina cair!

As máquinas foram feitas para durar até a eternidade, mas não suportam quedas nem qualquer outro tipo de impacto.

Suas peças mecânicas foram construídas e montadas com precisão e, com a batida, ficam tortas e desalinhadas, comprometendo o funcionamento, com poucas chances de conserto, já que não há mais peças de reposição.

O que pode ser feito, dependendo do caso, é a confecção de alguma peça por um torneiro mecânico, com a mão de obra de um bom mecanógrafo, mas esse tipo de trabalho não sai barato, por isso só vale a pena para máquinas raras de colecionadores ou que estejam ligadas à memória afetiva, tendo pertencido a alguma pessoa querida da família.

Se não for o caso, melhor esquecer. Compre outra máquina e cuide melhor, para que não caia outra vez.

Luciano Toriello - 18/10/2015
Escrito com uma Olympia Progress de 1931