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segunda-feira, 21 de setembro de 2015

As histórias das coisas




Os sites de classificados online, como o Olx, são boas fontes para quem gosta de coisas antigas. Confesso que já desenvolvi uma espécie de dependência que me obriga a acessá-los diariamente para monitorar as novidades.

Se me interesso por algo, entro em contato e peço mais informações. Conforme a resposta, combino um encontro para ver pessoalmente o objeto e, se me agrada, compro. Senão, muito obrigado. Nada de dor de cabeça com frete e avaliações.

O mais legal disso é que posso ouvir as histórias relacionadas. Muitas vezes, optei pela compra por causa da história e não pelo valor físico, o que é um erro, mas como não tenho o interesse de comercializar, me dou a esse luxo.

Prefiro as máquinas de escrever, mas infelizmente as que me chegam pertenceram a pessoas que já se foram. Isso não me assusta, porque as máquinas foram feitas para durar muito, enquanto as pessoas, mesmo vivendo com a ilusão da eternidade, são muito frágeis.

Fico triste, apenas, com o desapego que os herdeiros tratam a memória dos seus antepassados, principalmente os mais distantes. Quando a máquina pertenceu ao pai, mãe ou irmão, geralmente é acompanhada de uma série de recomendações como "cuide bem e faça bom uso", agora, quando a herança chegou ao neto ou, ainda mais longe, ao marido da neta, o tom já é mais seco, do tipo "preciso de espaço na casa e nem sei o que fazer com isso". Pior, quando o antigo dono nem chega a ser nomeado, como "pertenceu a uma pessoa que já morreu e isso não nos serve pra nada".

Nessas andanças, gosto mesmo é de encontrar os donos originais, o que é bem raro. Um casal simpático, por exemplo, precisava vender suas coisas para mudar de país e viver perto dos filhos. Ficou evidente o carinho que ainda tinham pela máquina e as histórias não contadas que estavam relacionadas a ela.

Outra senhora precisava desocupar sua antiga casa e não teria espaço para suas coisas no novo apartamento. Havia recebido a máquina de uma pessoa querida que já havia partido, mas não podia manter a lembrança por perto. Ao se despedir, me deu recomendações do tipo "diga para o seu filho o quanto essa máquina é importante".

De alguma forma, minha relação com essas máquinas recebe interferência dessas histórias. Ao escolher uma para escrever, lembro de cada uma delas e penso até que, por isso, produzo textos diferentes, como se cada uma fosse uma parceira com personalidade própria.

Um amigo colecionador, com mais juízo, me diz que isso tudo é uma grande bobagem. Para ele, máquinas são apenas um amontoado de metais com valor dado pela antiguidade, da mesma forma que um quadro é apenas um pano pintado que alguém resolveu que tem valor e pendurou no museu.

Talvez a razão esteja com ele. Ainda assim, prefiro continuar com a imaginação.

Luciano Toriello - 21/09/2015
Escrito em uma Olivetti Studio 45

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