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quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Matemática turca


Matemática turca

No empório do turquinho podia se encontrar de tudo: enlatados, queijos, biscoitos, macarrão, carne seca, arroz e feijão...

Tudo bem pesado, com a simpatia que o seu Valdemar dispensava a todos, principalmente para as crianças que grudavam o nariz na vitrine de doces, lotada de marias moles, suspiros coloridos, paçocas, pés de moleque e corações de abóbora e batata doce.

Em cima da vitrine, ficava um lindo baleiro de vidro, com dois andares, que giravam e encantavam com a mistura de cores e sabores.

O seu Valdemar não era turco e nem o empório tinha o nome de Turquinho, pelo menos não de forma oficial. A placa indicava apenas "Secos e Molhados", com letras apagadas pelo tempo.



O dono anterior tinha sido um turco baixinho, que vendeu o estabelecimento e, depois, fez fortuna com uma rede de supermercados. Nem cheguei a conhecê-lo, mas para a minha mãe, ele nunca tinha ido embora.

- Luciano, dá uma corrida até o turquinho e pede uma lata de leite condensado! Mas volte rápido senão a minha receita desanda!

Minha mãe estava sempre envolvida com receitas que precisavam de ingredientes urgentes.

- Luciano, corre até o turquinho e me traga uma caixa de ovos, corre até o turquinho e me traga queijo ralado, me traga farinha de trigo, me traga amendoim, me traga..., me traga...

E saía eu correndo para atender aos pedidos, enquanto minhas bolinhas de gude e minhas pipas em construção ficavam me esperando.

Quase sempre chegava em casa e ouvia outro pedido!

- Volta lá e pede coco ralado...

Quando chegava de volta:

- Só tinha dessa marca? Quanto você pagou? Que absurdo!

A correria não me incomodava, porque sabia que iriam sair delícias daquelas panelas, como balas de coco e bolos de mandioca. Invariavelmente, era premiado com a raspa do tacho.

Do outro lado, o seu Valdemar me recebia sempre com um sorriso e ainda ensinava muitas coisas, principalmente matemática, me forçando a calcular o troco de cabeça, sem a ajuda de lápis ou calculadora.




- Custou $2,25 e você me trouxe $3, então, quanto precisa levar de troco?

- Não precisa me dar troco, seu Valdemar, dessa vez minha mãe deixou eu pegar o resto em bala!

- Tudo isso? A bala custa $0,05, então, quantas balas você pode pegar?

- Sei lá, seu Valdemar, se me der uma mão cheia de balas de amendoim, eu já fico feliz!

- Nada disso! Só vou te entregar as balas se fizer as contas e me disser quantas pode levar!

Parei por um tempo para contar meus dedos, mais de uma vez para ter certeza do resultado e responder que tinha direito a 15 balas.

- Com o dedo não vale! Assim você demora muito! Quando aprender a contar direito eu te dou uma bala a mais.

Com a visão do lucro de uma bala, passei a ficar mais esperto. Respondia antes que ele me perguntasse.

- Tá aprendendo, né? Desse jeito, quando ficar maior, vai trabalhar comigo!

Hoje, quando vou à padaria, vejo a menina do caixa colocar as contas na calculadora, me obrigando a esperar por um resultado que eu já conheço.

Nem todo mundo poderia trabalhar com o seu Valdemar.


Luciano Toriello - 03/12/2015
Escrito com uma Erika modell 10




2 comentários:

  1. Ele me chamava de italianinho... era o único.

    Aquele óculos fundo de garrafa me impressionava muito...

    As minhas lembranças também são fantásticas, nós tínhamos pouco mas tinhamos o troco, e como o troco rendia! Era uma delícia...

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    Respostas
    1. Que bom ter também conhecido o seu Valdemar. Quando terminei de escrever, lembrei de uma história dele com a Rural Willys. Depois, vou escrever sobre isso.

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