Translate

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Meu querido velho



Luciano Toriello - 17/07/2015
Escrito em uma Imperial 

Meu pai não era uma pessoa fácil.

Tinha opinião sobre tudo e não economizava argumentos para defender suas ideias, por mais absurdas que pudessem parecer.

Chegava até a discordar de bases científicas, daquelas que a gente aprende na escola.

Confrontado com um livro que afirmava algo contrário, não se dava por vencido.

- Esses cientistas não sabem de nada, são uns burros! O que eles sabem da vida? E, se você continuar assim, vai pelo mesmo caminho!

Quem já ouviu sua constrangedora explicação de como escolher o sexo do bebê, antes da concepção, sabe o que estou dizendo.

Na nossa infância, eu e meus irmãos mantínhamos um desejo secreto de crescermos rápido para conquistarmos alguma liberdade das suas ordens tiranas.

Quando adolescentes, ganhamos uma pequena força para contestarmos alguma coisa, mas nunca tivemos coragem de desrespeitar os valores que aprendemos, com lições de moral e fortes puxões de orelha.

Com o tempo, já adultos, pais e mães de família, talvez com algum trauma a ser tratado com a ajuda de um psicólogo, passamos a compreender o seu jeito e até a rir com os seus desaforos.

Minha mãe foi embora e não demorou muito para que a tristeza também o derrubasse.

Entre os devaneios do seu AVC, meu irmão que estava prestes a ver o nascimento da sua terceira filha, avisou que ele seria avô de mais uma menina.

O velho então suspirou e respondeu com a sua lucidez de toda a vida:

- Não sabe fazer direito!

Vi, naquele instante, um sorriso. Hoje, faz um ano que nos deixou.

A saudade ainda é forte, mas sempre vou lembrar dele com alegria.

Meu pai não era fácil...

Luciano Toriello - 17/07/15
Escrito em uma Imperial 58



Nenhum comentário:

Postar um comentário