Matemática turca
No empório do turquinho podia se encontrar de tudo: enlatados, queijos, biscoitos, macarrão, carne seca, arroz e feijão...
Tudo bem pesado, com a simpatia que o seu Valdemar dispensava a todos, principalmente para as crianças que grudavam o nariz na vitrine de doces, lotada de marias moles, suspiros coloridos, paçocas, pés de moleque e corações de abóbora e batata doce.
Em cima da vitrine, ficava um lindo baleiro de vidro, com dois andares, que giravam e encantavam com a mistura de cores e sabores.
O seu Valdemar não era turco e nem o empório tinha o nome de Turquinho, pelo menos não de forma oficial. A placa indicava apenas "Secos e Molhados", com letras apagadas pelo tempo.
- Luciano, dá uma corrida até o turquinho e pede uma lata de leite condensado! Mas volte rápido senão a minha receita desanda!
Minha mãe estava sempre envolvida com receitas que precisavam de ingredientes urgentes.
- Luciano, corre até o turquinho e me traga uma caixa de ovos, corre até o turquinho e me traga queijo ralado, me traga farinha de trigo, me traga amendoim, me traga..., me traga...
E saía eu correndo para atender aos pedidos, enquanto minhas bolinhas de gude e minhas pipas em construção ficavam me esperando.
Quase sempre chegava em casa e ouvia outro pedido!
- Volta lá e pede coco ralado...
Quando chegava de volta:
- Só tinha dessa marca? Quanto você pagou? Que absurdo!
A correria não me incomodava, porque sabia que iriam sair delícias daquelas panelas, como balas de coco e bolos de mandioca. Invariavelmente, era premiado com a raspa do tacho.
Do outro lado, o seu Valdemar me recebia sempre com um sorriso e ainda ensinava muitas coisas, principalmente matemática, me forçando a calcular o troco de cabeça, sem a ajuda de lápis ou calculadora.
- Custou $2,25 e você me trouxe $3, então, quanto precisa levar de troco?
- Não precisa me dar troco, seu Valdemar, dessa vez minha mãe deixou eu pegar o resto em bala!
- Tudo isso? A bala custa $0,05, então, quantas balas você pode pegar?
- Sei lá, seu Valdemar, se me der uma mão cheia de balas de amendoim, eu já fico feliz!
- Nada disso! Só vou te entregar as balas se fizer as contas e me disser quantas pode levar!
Parei por um tempo para contar meus dedos, mais de uma vez para ter certeza do resultado e responder que tinha direito a 15 balas.
- Com o dedo não vale! Assim você demora muito! Quando aprender a contar direito eu te dou uma bala a mais.
Com a visão do lucro de uma bala, passei a ficar mais esperto. Respondia antes que ele me perguntasse.
- Tá aprendendo, né? Desse jeito, quando ficar maior, vai trabalhar comigo!
Hoje, quando vou à padaria, vejo a menina do caixa colocar as contas na calculadora, me obrigando a esperar por um resultado que eu já conheço.
Nem todo mundo poderia trabalhar com o seu Valdemar.
Luciano Toriello - 03/12/2015
Escrito com uma Erika modell 10
Ele me chamava de italianinho... era o único.
ResponderExcluirAquele óculos fundo de garrafa me impressionava muito...
As minhas lembranças também são fantásticas, nós tínhamos pouco mas tinhamos o troco, e como o troco rendia! Era uma delícia...
Que bom ter também conhecido o seu Valdemar. Quando terminei de escrever, lembrei de uma história dele com a Rural Willys. Depois, vou escrever sobre isso.
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